segunda-feira, 17 de março de 2008

Favela: a aparência diz tudo

Como a estética das favelas, aparentemente irrelevante, traduz a alma de boa parte do brasileiro

A favela hoje é uma instituição nos grandes centros, um modus vivendi de grande parte da população de baixa renda. Mas, aparte das obviedades socioeconômicas, tive a seguinte reflexão um dia desses:

Já perceberam que a gigantesca maioria das casas são de alvenaria (não madeira e tal) e não tem ‘reboco’ ou tinta nas paredes (revestimento de tijolo ‘baiano’), sendo quase todas cobertas por laje? Porque? O mais óbvio é dizer: porque eles não têm dinheiro pra construir direito. Mas, será mesmo?

Primeiro, há o fato de que, no custo total de se fazer uma casa, a pintura externa não tanto assim. Segundo, definitivamente a ‘laje’ não é o tipo mais barato de telhado, mas um doa mais caros na verdade, dado o custo dos materiais.

Ademais, percebi também que a maior parte das casas teria sim condições de pagar por esta pintura, mas não pinta por uma opção de o que fazer com o seu $$. Isto é, o cara compra DVD, TV 29 polegadas, tênis importado, mas não pinta a casa por fora. E isto acabou virando um costume, responsável em grande parte pelo aspecto feio, sujo e desorganizado que se tem da favela, em muitos casos.

Mas o interessante mesmo foi tentar compreender isso. Comecei então a perceber como essa ‘besteira’ era um símbolo da baixa auto estima do povo, e de qual a opção de gasto e investimento dele.

Ora, se vc ‘não se importa’ em viver em uma casa sem pintura na parede de fora, isso diz claramente que vc compactua com sua condição de vida, que vc se conforma com ela. E vejam, não é uma questão de dinheiro o que estou dizendo. Estou falando do cara que pode pagar e não se importa com a estética de onde vive. Se está pintado, pichado, quebrado... se for fora da casa dele, que se dane! Só vou arrumar minha casa por dentro!

Alguns podem achar que é frescura de um rico idiota, mas não é. Isso diz muito sobre a alma de um povo. Na Espanha, por exemplo, desde a idade média as famílias do sul pintam suas casas por fora com cal. É a coisa mais barata do mundo, com R$ 20,00 vc pinta a casa toda. São os chamados ‘pueblos blancos’. Já na Turquia, um país a princípio mais pobre que o Brasil, vc não vê tanta gente morando nas condições daqui. O sujeito é pobre mas tem mais dignidade, auto estima, ou como vc quiser chamar. É a mesma coisa do cara que deixa a sujeira na porta de casa. Não precisa ser rico ou ter estudado pra saber que isso não é bom. Se o cara não se importa é porque algo está errado!

Outra coisa é o que isso diz sobre a escolha de como aplicar o dinheiro, sempre preterindo investir no lugar que vc mora, sempre mantendo o caráter temporário da coisa.

Fato é que este seja mais um sinal do conformismo da população com uma situação que sabe não ser boa. Ou talvez até um sinal da própria falta de crítica sobre o mundo que nos cerca. Depois de tempo suficiente vc começa a achar tudo normal, tudo aceitável, e daí pra estagnação é um passo.

Não que pintar a favela seja a solução pra ela, evidente que não é isso!! Mas sem dúvida isso é um sinal importante e, um programa como a difusão da pintura de cal nas casas poderia trazer muito mais benefícios para o espírito da galera que um mero capricho estético. Resgatar a auto estima das pessoas e fazê-las lutar pelo seu lugar, pelo que é seu, pode ser um começo interessante...

2 comentários:

YussSan disse...

Este povo vive no meio do lixão porque gosta. Vive em meio à violência porque gosta.

Os israelenses, por exemplo, possuem apenas uma tripinha de deserto que converteram em paraíso.

Os brasileiros, por outro lado, receberam um continente de paraíso que converteram em lixão a céu aberto.

Anônimo disse...

Concordo em número e genêro contigo YussSan. As casa das favelas se fossem pitadas por fora seria menos assustadoras e agressivas ao olhar dos passantes; ficaria até charmoso!! É muito deprimente ver todas aquele emaranhado casas amontoadas sobre as outros sem definição nenhuma...